quarta-feira, 9 de abril de 2008

ADOLESCÊNCIA.

Fiz um deserto onde te podia amar
Montei um oceano onde te podia beijar
Compus uma melodia de pernas pro' ar

No meu deserto, a areia é feita com cristais de luar
E quando os piso, sinto o sangue descarrilar

No meu oceano, as marés vão e vem sem fim
E nelas vagueio sem nunca ter quem espere por mim

A minha melodia é muda ,sem voz
E canta mais alto que nenhum de vós

Resta-me um deserto vermelho
Uma eternidades de marés
Uma voz que não canta e é ouvida.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Borboleta Verde

Borboleta verde,
aqui não há flores.
-Procuras nas pedras
jardins interiores?

Borboleta verde,
aqui não há zumbidos.
-Procuras nas pedras
perfumes dormidos?

Borboleta verde,
aqui só há calçadas.
-Procuras nas pedras
as flores geladas?

Borboleta verde,
chama quase morta.
-Também eu, também,
aos tombos nas pedras,
não encontro a Porta.

José Gomes Ferreira

Vivam, apenas

Sejam bons como o sol
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.

Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.

Mas não queiram convenser os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.

E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.

Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!

José Gomes Ferreira
Ah quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!

Porque é ligeiro, leve,certo
No ar de amavio?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh'alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.

Fernando Pessoa

AMOR

Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tãoimperiosos,
tão obstinados!

Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
poderosa e plácida.

Amor, tão cheio de Amor,
que sencível és...
Sensível e violento apaixonado.
Tão carregado de desejos!
Acalmas e redobras
e de ti renasce a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na grande impotência.

Canseira eterna!
Ou desespero , ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater as asas frementes,
tanto grito e pena perdida...
E as tréguas,amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ò Amor ,Amor,
que faremos nós de ti,
e tu de nós?

quinta-feira, 3 de abril de 2008

MÃE

MÃE!

As estrelas brilham no firmamento
A lua ensaia uma balada
Mas tu voas mais que o pensamento
És a luz da minha alvorada.

MÃE!

És um livro aberto sempre à mão
O meu rochedo, o meu vigor
A verdade, o alimento, o pão
És o meu poema de esperança e amor.

MÃE!

Iluminas para além do poente
Embalas nas noites frias
O teu espírito exulta de contente
Com as minhas primeiras alegrias.

MÂE!

Tu és a única a verdadeira
O sonho real, o ombro amigo
Tu és a amiga e companheira,
O teu amor viverá sempre comigo.

MÂE!

Tu és o sol de cada dia
Tu és o Mundo por descobrir
Tu és a experiência, a sabedoria
Rumo ao futuro a construir.

terça-feira, 1 de abril de 2008

SERÃO PALAVRAS SÓ...

Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que somos jovens.

Diremos mãe, amor
um barco,
e só diremos
que nada há
para levar ao coração.

Diremos terra ou mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.

Eugénio de Andrade

AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória,
inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe,assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

POEMA PEQUENINO

O poema pequenino está escondido
para quem o apanhar e entender.
Que rimar, eu acho, é divertido,
e o poema, se calhar, calha crescer.

Nasceu há uns minutos- que violento.
Ainda mal abriu os olhos, está a acordar.
Desconhece o Sol, o Amor, o Vento
E precisa de ti para sonhar.

Alexandre Honrado

CORTAR

Cortaram uma árvore
E a Terra chorou

Cortaram outra árvore
E a Terra chorou

E tantas árvores mais

E a Terra chorou
Chorar tanto tambem cansa
Quem pode enxugar as lágrimas
Da Terra cansada?

Nem as mãos de uma criança...

Matilde Rosa Araújo

POEMA DO MEDO

O medo não tem
Nem pai nem mãe
Pobre coitado
Do medo assustado.
O medo não tem
Qualquer segredo
O medo tem medo
Quando se esconde no escuro
Quando se equilibra no muro
Pensa que vai cair.
O medo não sabe, coitado,
Assustado, não sabe sorrir.
O medo não tem
Nem pai nem mãe,
Não tem olhos nem nariz,
Nem escamas como o dragão,
Nem calor como o fogão.
O medo tem medo,
Não sabe o que quer,
Não é homem nem mulher
Nem menino nem menina,
Nem sacola pequenina
Para esconder um mistério.
O medo não leva
Nada a sério,
Pobre coitado
Do medo assustado.

Alexandre Honrado